Governo elabora decreto que esvazia o licenciamento federal para obras

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A 11 meses do fim do mandato, o governo Bolsonaro prepara um decreto presidencial com mudanças profundas no processo de licenciamento ambiental de obras de infraestrutura em todo o País, retirando diversas atribuições que hoje são da União e do Ibama para repassá-las aos Estados.


O Estadão teve acesso à minuta do decreto, um texto que tem sido debatido pela cúpula do governo e que já recebeu colaborações dos ministérios da Economia, do Meio Ambiente, de Minas e Energia e da Infraestrutura, além do Ibama.


Uma das mudanças prevê que o licenciamento ambiental de portos e de hidrovias passe a ser feito pelos Estados, e não mais pelo Ibama. Outras obras que deixariam de ser atribuição de licenciamento federal são acessos rodoviários, travessias urbanas e contornos rodoviários, além de ramais ferroviários e qualquer outra estrutura relacionada a ferrovias, como a construção de terminais de carga.


Na área de energia, usinas térmicas também passariam a ser atribuição de licenciamento estadual. O mesmo processo passaria a ser adotado em empreendimentos para exploração do gás “não convencional”, envolvendo atividades de perfuração de poços, fraturamento hidráulico e sistemas de produção e escoamento.


Nos casos de rodovias e ferrovias federais existentes, o texto estabelece que novas obras relacionadas a essas estruturas teriam o licenciamento iniciado em Estados e municípios, mas que esses processos seriam incorporados pelo governo federal quando as obras fossem concluídas. O texto estabelece ainda prazo de até 90 dias para os entes locais liberarem suas licenças de operação. Em caso de descumprimento, caberia ao governo federal emitir a licença.


A reportagem questionou os ministérios envolvidos sobre as motivações de cada mudança proposta e em que fase de maturação está o decreto, assunto que já foi tema de diversas reuniões realizadas pela Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia. Todos declararam que não se manifestariam porque o texto final ainda não foi fechado e não há data marcada para sua publicação.


Nos bastidores, o governo defende a tese de que as mudanças permitiram ao Ibama e sua área de licenciamento ambiental, que costuma ser pressionada por um grande volume de obras, se dedicar a empreendimentos de grande porte e de maior complexidade ambiental. A justificativa é de que todos os projetos repassados aos Estados e a municípios são “intervenções isoladas” e que possuem “impacto localizado”.


Risco de disputa regional


Entre gestores ambientais críticos à medida, o entendimento é de que se trataria de mais um movimento para fragilizar as fiscalizações ambientais, esvaziando atividades do Ibama. Eles argumentam também que a transferência de licenciamentos aos Estados poderia gerar uma “disputa” regional por empreendimentos, com flexibilização de regras para atrair mais investimentos. O controle ambiental também poderia sair fragilizado, uma vez que projetos de infraestrutura poderiam ter tratamentos diferentes, conforme a região em que fossem realizados.


Em termos administrativos, o que o governo pretende é alterar o decreto de 2015 que regulamenta a Lei Complementar 140/2011, que estabelece qual é o papel da União no licenciamento ambiental.


“Considero bastante questionável alterar o decreto atual no meio de um ano com eleições. Reduzir atribuições do Ibama nesse sentido significa delegar licenças importantes para a esfera estadual. Mesmo sem essas modificações, há áreas atualmente que, na minha opinião, deveriam ter o poder do Ibama reforçado, e não reduzido, a exemplo das licenças dos grandes empreendimentos minerários”, diz Suely Araújo, presidente do órgão ambiental no governo Temer (2016-2018) e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.


Pelas informações obtidas até agora, diz ela, o governo Bolsonaro deixaria claro seu plano de ampliar o repasse de projetos aos Estados. “Há necessidade de transparência nesse processo. Quem está demandando essas modificações? O que justifica essa proposta? Nada disso fica claro, o que preocupa bastante.”

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