Patrimônio cultural quilombola de MS é destaque de pesquisa da UEMS

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A pesquisaintitulada “Inventário do Patrimônio Cultural Imaterial das Comunidades Quilombolas de Mato Grosso do Sul” foi institucionalizada no âmbito da UEMS, em 2019, e enfatiza sobretudo os festejos de comunidades quilombolas sul mato grossenses.  A professora da UEMS, dos cursos de História e do PofHistória, Manuela Areias, pesquisa sobre o patrimônio cultural imaterial das comunidades quilombolas do estado de MS e trabalhou, até o momento, com três tradições: Festa dos Santos Reis, Festa de São Pedro e o saber expresso na produção de farinha de mandioca.

O projeto trabalhou com a Festa dos Santos Reis, realizada há mais de cem anos por membros da família Modesto, moradores do quilombo Águas de Miranda (Bonito), a Festa de São Pedro, do quilombo Família Cardoso (Nioaque), e o saber expresso na produção da farinha de mandioca, da comunidade quilombola Furnas dos Baianos (Aquidauana).

Manuela Areias destaca que o reconhecimento e a salvaguarda do patrimônio cultural quilombola são essenciais para a continuidade de sua reprodução cultural, fortalecendo a identidade do grupo e o sentimento de pertencimento de seus moradores. “As expressões culturais protagonizadas por quilombolas revelam uma memória da diáspora africana que deve ser valorizada, lembrada e divulgada. São instrumentos de resistência e representam a luta das comunidades quilombolas para garantir seus direitos e a continuidade de suas manifestações culturais em terras sul mato-grossenses”. 

Atualmente, o estado de Mato Grosso do Sul reúne um contingente de 18 comunidades remanescentes de quilombos reconhecidas pela FCP (Fundação Cultural Palmares) e que estão com processos abertos no INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) – órgão responsável pelo reconhecimento, identificação, delimitação e titulação dos territórios quilombolas – nos quais se reivindica a regularização fundiária de seus territórios tradicionais.

A pesquisadora ressalta que os quilombos não pertencem somente ao passado escravista. Tampouco se configuram como comunidades isoladas, no tempo e no espaço, sem qualquer participação em nossa estrutura social. “Ao contrário, são quase quatro mil comunidades quilombolas espalhadas pelo território brasileiro, que se mantêm vivas e atuantes, lutando pelo direito de propriedade de suas terras, garantido pela Constituição Federal desde 1988, entre outras políticas públicas”, enfatiza.  

Em relação ao patrimônio cultural, para Manuela Areias, as festas de santo realizadas nas comunidades quilombolas do estado de Mato Grosso do Sul estabelecem uma relação intrínseca entre religiosidade, fé e memória da diáspora africana. “Muitas festas de santo, entre outras práticas culturais, estão relacionadas à religiosidade dos africanos da diáspora, que permaneceram no sul de Mato Grosso”, explicou.

A pesquisadora destaca que essas tradições representam a luta de comunidades negras para garantir a continuidade de seus traços culturais em terras sul-mato-grossenses. “A valorização e salvaguarda dessas celebrações, dos elementos necessários para suas realizações (como indumentárias, rezas, alimentos, instrumentos musicais, entre outros) e dos saberes expressos na produção da farinha de mandioca são essenciais para a continuidade e suas reproduções culturais nas comunidades, fortalecendo as identidades dos grupos e os sentimentos de pertencimento de seus moradores”, disse.  

O projeto conta com o apoio e parceria do IPHAN-MS e com a participação do bolsista de iniciação científica Yan Prado Almeida, do curso de História da UEMS em Amambai.

Festa dos Santos Reis

Localizada a 70 quilômetros do município de Bonito, a Comunidade Quilombola Ribeirinha Águas de Miranda, do distrito Águas de Miranda, certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2012, realiza anualmente, há mais de 30 anos, a Folia de Reis ou Festa dos Santos Reis. A festa, que reúne cerca de 1.000 pessoas, no primeiro ou segundo final de semana de janeiro, faz parte do calendário de festejos do município desde 2012.

Inicialmente foi organizada apenas pela família Modesto, vinda da Bahia para o antigo Mato Grosso, e que mantinha a tradição há cerca de 100 anos, de pai para filho. A família Modesto continua presente na continuidade da folia, que tem como “Mestre da Bandeira” seu patriarca, Amarílio Modesto da Silva.

Durante a programação da festa ocorrem diversas atividades, como celebrações religiosas – com procissão e missa – shows, churrasco e torneio de futebol. Canções tradicionais e instrumentos musicais acompanham os grupos formados pelos três reis magos (representações), palhaços (bastiões) – com máscaras e apitos, que marcam a chegada e a partida da bandeira – rainha, coro, mestre (ou embaixador) e bandeireiro ou alferes da bandeira.

Festa de São Pedro

Na Comunidade Quilombola Família Cardoso, o culto e a festa de São Pedro, realizados anualmente no mês de junho, foram transmitidos com o passar dos anos para todas as gerações dos quilombolas do Largo da Baía. Durante esta festa tradicional, aberta aos moradores de Nioaque e de outras cidades, a comunidade ressalta a cultura da diáspora africana por meio de danças no ritmo das batidas dos tambores e roupas típicas, conhecidas como “amarração”.

Todos os anos, moradores das comunidades rurais e do núcleo urbano de Nioaque comparecem para prestigiar o trabalho da família Cardoso, cujos seus membros ocupam posições de festeiros. A festa de São Pedro é fundamental para afirmação da identidade quilombola, e atualmente motiva a reunião das famílias da comunidade. É uma manifestação cultural de resistência quilombola na luta pelos seus direitos.

Produção artesanal da farinha de mandioca

Sobre a relação de trocas culturais e transmissão de saberes expressos no cotidiano das comunidades tradicionais, além das festas santo e dos elementos necessários para suas realizações (como indumentárias, rezas, alimentos, instrumentos musicais, entre outros), destacam-se os saberes relacionados à produção artesanal da farinha de mandioca da Comunidade Quilombola Furnas dos Baianos. Neste quilombo, que se localiza no distrito de Piraputanga, do município de Aquidauana, seus moradores mantém a tradição cultural da produção da farinha de mandioca há mais de setenta anos.

Os relatos dos moradores evidenciam que a história dessa comunidade se relaciona ao cultivo da mandioca e à produção artesanal da farinha. No início da década de 1950, algumas famílias de ascendência africana, vindas da Bahia, fugindo da seca no Nordeste, chegaram ao distrito de Piraputanga, estabelecendo-se na região por meio do cultivo de roças para subsistência e comercialização de produtos. Desde então, iniciou-se um processo de transmissão de saberes na produção de alguns alimentos, como a farinha de mandioca.

A farinha, produzida artesanalmente, era enviada a Corumbá, importante zona portuária da época, pela estrada de ferro (o “Trem do Pantanal”), sendo escoada para outras cidades. Cabe ressaltar que a Comunidade Furnas dos Baianos foi reconhecida como quilombola pela Fundação Cultural Palmares em 2007, integrando a rede das 18 comunidades remanescentes de quilombos que fazem parte do estado de Mato Grosso do Sul.

“O saber expresso na produção da farinha de mandioca é um bem cultural relacionado ao Patrimônio Cultural Imaterial do Quilombo Furnas dos Baianos. O patrimônio imaterial pode ser caracterizado como um conjunto de práticas da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer, celebrações, formas de expressão e nos lugares, que as comunidades reconhecem como parte integrante de sua cultura, sendo transmitido de geração para geração” ressaltou a pesquisadora Manuela Areias.