Criada a partir da Lei Maria da Penha, a Medida Protetiva em vigor no Estado é um importante mecanismo de combate ao feminicídio
A maioria dos feminicídios, tentativas e agressões corporais graves registrados em 2019 poderia ser evitada com um simples (mas corajoso) gesto: o pedido de medida protetiva. Esta é a constatação da juíza Jacqueline Machado, responsável pela 3ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Segundo ela, cerca de 74% das vítimas fatais nunca acionaram o sistema de proteção, ou seja, não denunciaram seus agressores. “As medidas protetivas de urgência são um dos principais mecanismos de amparo às mulheres previstos na Lei Maria da Penha” – (Lei 11.340/2006), afirma.
Atualmente 4.246,00 Medidas Protetivas estão em vigor no Estado (pesquisa do dia 28/01/20), média de vinte por dia. Os números, segundo a juíza, representam antes de tudo maior conscientização das mulheres. O aumento da informação (divulgação, campanhas, etc.) e dos equipamentos jurídicos disponíveis, faz com que as mulheres tenham mais coragem para denunciar o agressor. Em um país em que, segundo levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, oito em cada dez mulheres já foram agredidas por algum conhecido, o mecanismo é crucial para o combate à violência contra a população feminina.
Importante destacar que as Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher faz atendimento para qualquer pessoa que se identifique como sendo do gênero feminino e encaminhada para os devidos procedimentos legais.
O que é e como funciona a medida protetiva
Ao sofrer algum tipo de agressão do companheiro, a vítima deve registrar boletim de ocorrência e acionar a Lei Maria da Penha. Em 24 horas a juíza emite decisão sobre a medida protetiva de urgência. Entre as medidas constam: afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas, entre as quais: aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; delimitação de perímetro a fim de preservar a integridade física e psicológica da vítima. Em alguns casos o juiz (juíza) pode solicitar também o uso de tornozeleira eletrônica para o acusado e botão do pânico para a vítima.
A proteção pode ser solicitada em qualquer delegacia mais próxima, mas o ideal é que ela seja feita diretamente na Delegacia da Mulher (existem 12 unidades no interior do Estado) ou na Casa da Mulher Brasileira em Campo Grande, onde se dispõe de uma ampla estrutura judicial e de acolhimento. A capital, aliás, foi a primeira cidade brasileira a receber uma Vara (a 3ª Vara de Violência Doméstica) específica para realizar medidas protetivas de emergência. A instituição dispõe também de setor psicossocial, alojamento de passagem, Casa Abrigo (para mulheres em situação de risco que não têm onde ficar).
O caminho da violência contra a mulher
Engana-se quem pensa que a violência acontece de uma hora para outra. Que é apenas fruto de um destempero momentâneo. De acordo com a experiente juíza, as agressões começam muito antes. “Antes da violência existe um relacionamento abusivo que muitas vezes é ignorado”, aponta, acrescentando outro fator importante: até há pouco tempo a violência era naturalizada, a mulher muitas vezes não conseguia entender os sinais por trás de atos como ofensas e humilhações. Também existe a esperança de que o ato, a ofensa ou mesmo uma agressão, sejam passageiros e, por isto, aceitam as desculpas do parceiro.
No entanto, devemos observar também que comportamentos desta natureza são frutos de uma cultura machista muita exacerbada, que existe principalmente em Mato Grosso do Sul, observa a Dra Jacqueline Machado. Segundo ela, estamos vivendo em uma sociedade onde o discurso machista está retrocedendo. “As mulheres estão vivendo no século 21 e a maioria dos homens não aceita esta realidade”, atesta.
Entenda as Leis Maria da Penha e Feminicídio
Embora ambas tratem de casos de violência contra a mulher, as leis Maria da Penha e do Feminicídio, são textos distintos na legislação brasileira, mas que podem ser considerados complementares. A Lei Maria da Penha, criada em 2006, tem o objetivo de proteger a mulher que é vítima de violência doméstica. A lei não define penas, mas cria medidas protetivas para proteger a vítima.
Reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres, a Maria da Penha é vista por juristas como uma “ação afirmativa”, ou seja, uma medida criada para combater desigualdades sociais que persistem há anos.
Feminicídio trata diretamente de mulheres assassinadas pela sua condição feminina. Ele é comprovado caso haja antecedente de violência doméstica e familiar ou se o crime for motivado por menosprezo ou discriminação à condição de mulher está prevista no código penal desde 2015 e define uma pena maior do que nos casos de homicídio. Enquanto um homicídio simples tem pena de 6 a 20 anos, para o qualificado, que é onde entra o feminicídio, a punição é de 12 a 30 anos de prisão.
Mato Grosso do Sul foi um dos primeiros Estados do país a fazer a adaptação das diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar crimes de femínicidios.