“A cumplicidade é quando você percebe uma violência e vira as costas ou acha que aquilo é normal, e isso vale para todo mundo, não é só para polícia, para o Estado. O enfrentamento não é apenas uma questão da segurança, das secretarias, dos órgãos seja judiciário, legislativo ou executivo. Ignorar faz de você cúmplice quando nós, como pessoa física, cidadãos, olhamos para o que está acontecendo de errado e de alguma forma normatizamos”.
A fala da secretária-adjunta de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania, Viviane Luiza explica o slogan da campanha do Agosto Lilás deste ano, “Violência contra a mulher: ignorar faz de você cúmplice desse crime”, que foi pensado para chamar a atenção, e dar a mensagem de que o enfrentamento à violência é um dever de todos.
Durante todo o mês de agosto, ações de conscientização, lançamento de programas e debates vão trazer à tona a reflexão, além de comemorar os 17 anos da Lei Maria da Penha. A abertura da programação do Agosto Lilás, realizada nesta terça-feira (1), trouxe à Acadepol, no Parque dos Poderes, gestoras municipais de todo o Estado com o objetivo de fortalecer a troca de experiências, além de reunir autoridades, representantes de movimentos e sociedade civil.
Anfitriã do evento, a subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres, Cristiane Sant’Anna Oliveira ressalta que o Agosto Lilás vem discutir o enfrentamento da violência contra a mulher não só com as mulheres, mas também os homens, e iniciar o trabalho dentro do poder público.
“Não é a primeira vez que temos a campanha do Agosto Lilás, mas esta não pode ser mais uma campanha só, ela tem que ser muito maior, tem que ter a participação das instituições, da rede, da sociedade civil, das mulheres dos movimentos populares que pensam e sofrem no dia a dia com os altos índices de violência ainda”, clama Cristiane.
Quem são os cúmplices da violência contra a mulher?
“Quem é esse cúmplice? Eu penso que qualquer pessoa que ouve, que vê e não se pronuncia. Esse slogan me fez refletir sobre quantas vezes isso não acontece no nosso cotidiano, quantas vezes a gente fica sabendo de um caso e pensa que a gente não pode contribuir de outra forma, mas a gente tem: a informação é a primeira forma”, reflete a coordenadora-adjunta do Ceam (Centro Especializado de Atendimento à Mulher em Situação de Violência), a assistente social Edna Bordon Lopes.
Trabalhando com mulheres que tiveram, além da coragem, o acolhimento no primeiro momento da denúncia, Edna levanta um ponto importante. “Muitas vezes, na hora da denúncia, essa mulher não é ouvida por uma pessoa que tem empatia, por uma pessoa que conseguiu se desconstruir e ouvir a história. Então, ali ela já desiste, e até retorna a conviver com o agressor”, avalia.
Atrizes Giovanna Zottino e Kiohara Swaab, que apresentaram a encenação “Vozes”, espetáculo premiado sobre violência contra a mulher, buscam na última fala da cena compartilhar quem vem a ser o cúmplice deste crime.
“A última fala é ‘o seu silêncio também é o culpado’. Então, a culpa é de todo mundo, é da gente que vê e não faz nada, que fica no discurso de não meter a colher. A culpa do silêncio é de todo mundo, e a gente tem que lembrar que as denúncias podem ser feitas anonimamente”, descreve Giovanna Zottino.
Coordenadora-Adjunta do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (NEViD), promotora de Justiça Aline Mendes Franco, relembrou o episódio que exemplifica o slogan da campanha. O antepenúltimo feminicídio de Campo Grande teve um cúmplice.
“O agressor corria atrás da vítima com uma faca, a vítima fugia e alguém que passava de carro, viu e deu de frente para a cena de um homem com uma faca atacando uma mulher. Sabe o que essa pessoa fez? Ela subiu o vidro do carro e deu ré. Nós precisamos sair desse estado de letargia. Nossas mulheres estão adoecendo e morrendo em razão da violência doméstica e nós todos temos que atuar nisso”, suplica a promotora.
Para a representante da Rede Nacional Feminista de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Estela Scandola, ignorar a violência contra a mulher faz de nós cúmplices também quando deixamos de ser solidários à vítima de assédio.
“As mulheres sempre foram violentadas no âmbito do trabalho, só que isso era visto como uma coisa do cotidiano, de ser mulher. Quando gente tem uma lei recém-aprovada dizendo que assédio moral e assédio sexual no trabalho é crime, você começa a perceber quanto tempo nós demoramos para evidenciar um crime que já vinha ocorrendo desde sempre. Nós temos uma lei protetiva, e a maior arma que para as mulheres enfrentarem assédio moral e assédio sexual é a solidariedade. Se as mulheres que denunciam assédio moral e assédio sexual não tiverem a solidariedade, elas terão muita dificuldade de continuar na denúncia. Então, a solidariedade entre nós agora começa a ser a arma que nós temos para enfrentar isso tudo”.
Em sua fala, a secretária de Estado de Administração, Ana Carolina Nardes reforçou que ninguém precisa ter vivido um episódio de violência para combatê-la. “Não é porque seja algo que eu não vivencio que eu posso me calar. Não posso fingir que não estou vendo, que a violência não está acontecendo só porque não foi comigo. Hoje eu entendi que onde eu estou e com o que eu tenho de atribuições e competências, eu posso fazer muito”.
Agosto Lilás
Agosto Lilás é uma campanha de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, instituída por meio da Lei Estadual nº 4.969/2016, com objetivo de intensificar a divulgação da Lei Maria da Penha, sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre o necessário fim da violência contra a mulher, divulgar os serviços especializados da rede de atendimento à mulher em situação de violência e os mecanismos de denúncia existentes.
A campanha que nasceu em Mato Grosso do Sul, no ano passado por meio da Lei 14.448/22, tornou-se o mês de proteção à mulher, a fim de conscientizar a população pelo fim da violência contra a mulher, a nível nacional.
Representando o governador Eduardo Riedel, a primeira-dama do Estado de Mato Grosso do Sul, Mônica Riedel, encerrou os pronunciamentos da mesa sublinhando que o papel no enfrentamento é um dever de todos.
“Nós temos na educação uma ferramenta, as pessoas que têm cargos de liderança podem fazer a diferença denunciando ou expondo situações difíceis. No teatro apresentado aqui, acho que todo mundo conseguiu identificar coisas que nós passamos ou que pessoas conhecidas passaram, e tudo isso é importante, para termos este olhar e construirmos juntos o enfrentamento à violência contra a mulher”.
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