Dia 20 de março é o Dia Nacional do Contador de Histórias, dessas pessoas que contam e encantam com suas maravilhosas histórias e recheiam a vida das pessoas com mais poesia e alegria. A Fundação de Cultura comemora a data entrevistando três contadores de histórias que têm suas atividades no interior do Estado.
Maria José da Costa Aliender é alfabetizadora, professora da Rede Municipal de Ensino em Sete Quedas e hoje trabalha na Biblioteca como Pedagoga Responsável. Ela conta que desde criança tem paixão pela narrativa oral pois sua mãe, mesmo analfabeta, lhe contava lindas histórias e também para as crianças de rua quando nem tinha energia na cidade. “Herdei dela essa paixão e do meu pai o dom da escrita: ele anotava tudo!”.
Em 2017 Maria fez um curso de contação de histórias e aprimorou a técnica. Para ela, a contação de histórias é “um bálsamo que cura”. “Ela me cura e cura a quem ouve e agrega uma formação leitora e cidadã além de despertarmos para a escuta amorosa. Acredito que histórias mais afeto curam por isso dei nome ao meu canal no YouTube de lacinho do afeto pois lembra também uma história que minha mãe contava lacinho de verde e azul, pois aquilo era uma declaração de amor em forma de narrativa”.
Maria explica que o afeto, na contação de histórias, ocorre na troca de olhares, de energia ao preparar, digerir e entregar ao ouvinte a história que vai tocá -lo independentemente da idade. “A partir do momento que colocamos amor não tem como não tocar, como escrevi na história que reescrevi essa semana: lacinho de verde e azul, porque alecrim e afeto sempre fazem bem”.
Maria teve um projeto de contação de histórias aprovado pela Lei Aldir Blanc. “Ah, a experiência foi excelente, porque pude expor meus projetos e contribuir com a literatura sul-mato-grossense. Pude também gravar as histórias autorais que escrevi na pandemia e é sempre muito bom colher os frutos do nosso trabalho, pois com o incentivo pude montar meu singelo espaço que chamo de estúdio e comprei vários livros. Meu primeiro livro infanto-juvenil foi resultado da paixão de ler e ouvir histórias e o fato de ter sido classificada na LAB me deu muita alegria porque eu, de uma minúscula cidade do interior, consegui”.
De Corumbá, Jusley Monteiro de Sousa é pedagoga, trabalha na Fundação de Cultura de sua cidade, em uma biblioteca, como contadora de história e mediadora de leitura. O interesse pela contação de histórias vem desde a infância, na época em que ela trabalhava com música e teatro na sua igreja. Mais tarde, no curso de pedagogia, incentivada por uma professora, levou seu currículo para contar histórias em uma livraria recém-aberta na cidade. Foi aceita e realizava as atividades aos sábados durante quatro anos. “Em 2010 eu viajei para Campo Grande para participar de um festival de contação de histórias, porque aí estava se tornando mais divulgado a atividade. Conheci um monte de contadores de histórias, ampliou muito meu universo e voltei toda motivada para continuar contando”.
“Eu acredito que somos feitos de narrativas, acredito em um Deus contador de história autor da grande narrativa da humanidade. Então para mim a narração (contação) é uma forma de estar no mundo e se relacionar com tudo a sua volta. Ter isso em mente agrega coisas todos os dias como olhar para os problemas de outros pontos de vista, acreditar com convicção nas viradas que a vida dá diante de um conflito. Não conto apenas histórias com finais felizes, gosto muito do terror, dos dramas e admito contar alguns finais trágicos. Mas, quando conto, sei que estou alimentando mais que a alma dos que ouvem estou alimentado a esperança… o que há de vir estou semeando possibilidades, experiências, imaginações. Nos tornamos baús de memórias. Atualmente tenho coletado histórias, ouvido, mais do que contado e isso nos torna mais fraternos com nosso próximo, tomamos ciência de que eles têm histórias lindas para contar. Sou uma apaixonada pelo que faço”.
Jusley se lembrou de uma situação marcante em sua vida profissional, quando foi contar história em um CRAS na região da cervejaria, bairro de Corumbá. “Eu contei uma história da Kiara Terra. Era uma história aberta, de um rei que tem 3 filhos, os dois primeiros filhos são bem-sucedidos, e tem o último filho que é bem magrinho, fraquinho e feinho. Foi uma contação longa, era um público grande, com mais de 50 crianças, eu demorei quase uma hora de sessão. Elas ficaram em silêncio, levadas pela história, como se estivessem enfeitiçadas. Foi um sentimento de conexão. Neste dia foi algo muito maior, porque esta história continha uma mensagem que nós éramos cúmplices dessa verdade, muito íntima, muito intensa. Ficou a sensação de ter saído quase anestesiada, de ter estado em um outro mundo, para a imaginação, para o sobrenatural”.
Para Jusley, a contação de histórias é por excelência uma arte popular. “Todos contamos histórias o tempo todo.Trabalho com as teorias que apresentam três tipos de contador: o contador tradicional que é o mestre do saber popular, o senhor a senhora que conta os causos e o contos; o contador professor que utiliza a contação como técnica pedagogia e o contador performer, que é o profissional da Arte de Contar Histórias. Para ser um bom contador, no sentido profissional, eu diria que é preciso alimentar a imaginação, ler sempre e muito, ouvir e na hora de compartilhar escolher tudo que lhe toca primeiro para apresentar uma fantasia verdadeiramente feérica. Féeria é um termo cunhado por Tolkien para o mundo do conto de fada. Ele trata com seriedade esse tema e esse universo fantástico e literário”.
Guilherme Santos Lemes, o Guigas Lemes, é professor de Arte, ator e contador de histórias, de Três Lagoas. Ele iniciou na arte de narrar histórias em 2012 quando eu começou a participar do Grupo de Teatro Identidade, da cidade de Três Lagoas. “E aí dentro desse grupo de teatro, tinha um núcleo de contação de histórias. E aí comecei as pesquisas em relação à contação de histórias, comecei a acompanhar as pessoas que faziam contação nas apresentações e enquanto isso eu ia aprendendo, pegando as minhas primeiras histórias para depois começar a me apresentar com este grupo”.
“Minhas primeiras apresentações foram nas escolas municipais, na biblioteca municipal, no lar dos idosos, e também alguns eventos particulares. Em 2015 fui fazer Artes Cênicas em Dourados mas dei continuidade ao meu trabalho de contação de histórias. Depois de formado, em 2019, retornei para Três Lagoas. Fiz algumas oficinas de formação com outros contadores, os festivais também nos ensinam bastante. E agora, no mês de junho de 2022, eu completo dez anos como contador de histórias”.
Guigas sempre gostou muito de histórias, desde pequeno, tinha seus brinquedos, seus bonecos, inventava muitas histórias com os brinquedos. “E além disso, me interessava muito pelas histórias dos livros, tinha histórias de tudo quanto é coisa nas enciclopédias lá de casa. Eu ficava muito tempo folheando aqueles livros, e gostava muito de gibis. Eu escrevi uma história em quadrinhos quando era criança. Eu tenho algumas histórias em quadrinhos autorais, algumas delas publicadas em vídeos para um projeto que eu escrevi para a Lei Aldir Blanc aqui do município, e às vezes eu faço versões de histórias populares. Como eu sou músico também, gosto muito de compor, de transformar as histórias em músicas, meu trabalho enquanto contador de histórias, eu gosto de brincar que eu sou contador e cantador de histórias”.
Para Guigas, contar histórias é sempre uma atividade muito prazerosa, mas enfrenta desafios, principalmente em cidades do interior do Estado: “Eu adoro contar histórias, seja para criança, adulto, adolescente, idosos, sempre é muito bom. Ser contador de histórias no interior de Mato Grosso do Sul, muitas vezes a gente se depara com algumas dificuldades, não é uma dificuldade que se limita apenas ao município de Três Lagoas, isso acaba acontecendo, de uma forma geral, mas aqui no interior isso é mais acentuado: muitas vezes falta o reconhecimento dessa linguagem artística como uma profissão, como um trabalho que precisa ser remunerado. Quando as pessoas entram em contato solicitando uma apresentação, seja para um evento comemorativo, para escola, para aniversário, elas geralmente vêm atrás, mas achando que vai ser gratuita, e elas acabam se assustando quando a gente cobra o valor do cachê. Contar histórias é uma profissão, é uma linguagem artística, assim como música dança, teatro, e como tal a gente precisa ser remunerada. Essa é uma mentalidade que precisa ser mudada. É um trabalho que ainda vai levar um tempo, de conscientizar as pessoas de que o artista precisa ser remunerado”.
O lado positivo, segundo Guigas Lemes, é ver a alegria das pessoas ao se deparar com uma apresentação de contação e histórias. “Quando tem essas apresentações, é sempre bom ver essa reação e ter esse acolhimento do público, ver como ele recebe bem esse tipo de apresentação. Hoje na cidade nós não temos muito contadores de histórias, só tem um gurpo de teatro em atividade aqui, do qual eu faço parte, quando há uma apresentação, acaba se tornando algo grandioso, que chama a atenção, justamente porque não tem muitos artistas desenvolvendo essa atividade. Nosso objetivo é levar essas apresentações para os bairros, descentralizar essas apresentações, ir ao encontro do público. O objetivo maior é levar a linguagem artística, torna-la acessível para essas pessoas que estão nas regiões periféricas da cidade, onde muitas vezes a informação não chega. A gente tem buscado fazer esse rodízio nos bairros levando as apresentações”.
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