Conheça uma forma de tratamento medicinal com a Cannabis

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A médica aposentada Nina de Queiroz, de 60 anos, sofria de uma forte depressão quando decidiu se consultar com um médico que receitava cannabis sativa, a popular maconha.

Eu tomava vários antidepressivos, mas nenhum funcionava. Saí do consultório decidida a entrar na Justiça para garantir meu direito constitucional à saúde”, conta.

No final de 2018, meses depois de iniciar o processo, Nina se tornou a primeira pessoa com depressão a obter autorização da Justiça brasileira para o cultivo medicinal da maconha. Hoje, ela cuida de seis plantas em sua casa em Natal e as utiliza de várias maneiras, mas principalmente na cozinha: faz azeite, mel, brigadeiro, leite…

Nina Queiroz – Imagem internet

Para mim, funciona melhor quando uso ao longo do dia, em pequenas doses na comida. À noite, vaporizo um pouco para dormir bem. Antes da cannabis, cheguei a ficar 10 dias trancada em casa, muitos deles sem dormir, com as janelas fechadas, deitada na cama, sem vontade de levantar. Hoje sou outra pessoa, muito mais calma, mas também ativa, vivo o presente. Fico emocionada ao dizer que a cannabis trouxe outro sentido para minha vida.”

O caso de Nina não é mais tão raro no Brasil. Apesar de uma lei aprovada em 2006 já prever o uso medicinal da maconha, a falta de regulamentação levou a recentes decisões judiciais autorizando pacientes a cultivar cannabis para tratar diversas patologia, como autismo, epilepsia, Alzheimer, depressão, ansiedade e enxaqueca crônica.

Na mesma linha, duas associações de pacientes conseguiram autorização para cultivar e produzir remédios para seus milhares de associados. Essas decisões da Justiça, somadas a um maior número de prescrições médicas e à diminuição da burocracia para importação de remédios, estão criando uma espécie de “legalização silenciosa” da maconha medicinal no Brasil. O resultado foi o florescimento desse mercado nos últimos meses, segundo médicos, pacientes, advogados e empresários ouvidos pela BBC News Brasil.

Por outro lado, quem plantar ou comercializar maconha no Brasil sem autorização da Justiça pode ser punido com prisão. Na cidade de São Paulo, por exemplo, 35 pessoas foram detidas em flagrante por cultivar a planta dentro de casa desde 2017, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação. Isso sem contar os milhares de presos por tráfico de drogas — hoje, esse é o crime que mais leva pessoas aos presídios brasileiros.

Já no caso de Nina, por exemplo, a Justiça concedeu a ela um habeas corpus preventivo, em caráter provisório, que a resguarda do risco de ser presa e processada por cultivar uma planta proibida no país. “Sempre tive muito preconceito com cannabis. Minha geração foi preparada para enxergar a maconha como algo ruim, usado por gente que não queria nada com a vida. Precisei enfrentar esse preconceito, porque nenhum medicamento que usei, e foram vários, funcionou para meu problema”, diz a médica.

No últimos anos, diversos estudos científicos apontaram que substâncias extraídas da cannabis, como o canabidiol (CBD) e o tetra-hidrocanabidiol (THC), seu princípio psicoativo, podem ser usados para fins medicinais, em terapias para pacientes com dores crônicas e outras enfermidades graves, como câncer, epilepsia e fibromialgia. Apesar disso, profissionais e algumas entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), acreditam que mais estudos clínicos e pesquisas de longo prazo são necessários para garantir a eficácia e a segurança do uso da cannabis no tratamento de doenças. O CFM orienta que médicos não receitem THC, por exemplo.

No caso do CBD, a entidade recomendou apenas o uso “compassivo”, ou seja, ele só deve ser receitado depois que todas as alternativas tradicionais já tenham sido testadas pelo paciente. O plantio de cannabis para uso medicinal e científico já é previsto no Brasil desde 2006, por meio da lei 11.343, a chamada Lei de Drogas, aprovada no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Mas pouco se avançou na sua regulamentação até o início desta década.

Foi quando pais e mães de crianças com epilepsia grave pressionaram o governo e entidades médicas, pedindo autorização para usar derivados da cannabis: os únicos medicamentos que funcionavam para diminuir a incidência dos espasmos e melhorar a qualidade de vida das crianças.