Inflação do atacado supera 42% no Brasil e só é menor do que a da Argentina

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A indústria e o varejo brasileiro estão enfrentando não só um dos piores choques de preços desde o fim da hiperinflação, nos anos de 1990, como também um dos piores do mundo. 

Na base do problema, estão aumentos expressivos que alimentos, petróleo e minério começaram a ter no mercado global e que, no Brasil, acabaram ainda maiores pela conversão de seus preços em dólar para o real, já que a cotação da moeda norte-americana também não para de subir.

O resultado são produtos básicos disparando no país e puxando o custo de muita coisa para cima. A lista inclui soja, trigo, milho, petróleo, açúcar, minério de ferro, chapas de aço, insumos químicos e farmacêuticos e mais uma fila longa de itens. Eles estão na base de boa parte de tudo que chega à indústria e aos consumidores, e por isso tem muita coisa subindo de preço.

O petróleo, por exemplo, além de ser a matéria-prima da gasolina e do diesel, é base para uma diversidade de produtos que inclui asfalto, borrachas, solventes, defensivos agrícolas, tudo o que é de plástico e até roupas, quando feitas de tecidos sintéticos como poliéster e viscose. 

O açúcar mais caro faz encarecer também o etanol. A soja e o milho, além do óleo e da espiga, são a base das rações que alimentam frangos, suínos e bovinos, o que faz com que as carnes que compramos encareçam também.

O minério de ferro, por sua vez, vai parar nas vigas e chapas de aço que sustentam toda a construção civil e formam o corpo de carros, fogões, geladeiras e máquinas de lavar. 

Essa inflação dos custos de produção, medida pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), da Fundação Getulio Vargas (FGV), já acumulou 42,6% nos 12 meses até março. O IPA é um dos índices que compõem o IGP-M, indicador de inflação calculado pela FGV, divulgado nesta terça-feira (30).

A alta até aqui é uma das maiores desde o início do Plano Real, que colocou um fim à hiperinflação em 1994. Só em 2003 essas variações chegaram a ser pior — naquele ano, a primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva fez o dólar bater recordes e chutou o IPA para os 43%.

2ª pior inflação do mundo

O choque que muitas commodities estão sofrendo no mundo inteiro desde o repique da pandemia, no ano passado, explica uma parte do problema. Ainda assim, são poucos os países que estão vendo esses aumentos entrarem na economia doméstica com a mesma intensidade que no Brasil.

Um levantamento feito pela economista Andrea Damico, da gestora de investimentos Armor Capital, observou como está a inflação do atacado dos últimos 12 meses em 71 países. 

Em apenas um deles — a Argentina, que está sofrendo para conseguir pagar sua dívida e vive com uma inflação descontrolado há anos —, os preços de atacado estão com uma alta maior do que a do Brasil. Lá, a variação acumula 46% (veja a lista completa ao fim). 

Em nenhum outro país a alta passa de 30%. O mais próximo do Brasil é a Turquia, com aumento de 27%.

Em muitos, inclusive, os preços estão em queda, influenciados em grande parte pela paralisia do consumo que a pandemia levou a todos os cantos do mundo. É o caso de muita economias desenvolvidas, como as da União Europeia (-0,4%) e do Japão (-0,7%), e de outras como Catar (-9,9%), Israel (-4%) e até a vizinha Equador (-2%). 

Impulso extra do dólar

No Brasil, os aumentos acabaram particularmente salgados por conta do dólar: desde o ano passado, o real segue repetidamente liderando a lista das moedas que mais perderam valor no mundo. Só neste ano, a alta do dólar frente à moeda brasileira já é da ordem de 11%. Do começo de 2020 para cá, o aumento passa dos 40%. São pouquíssimos os países, como Líbia e Venezuela, onde a desvalorização da moeda local é maior. 

“O Brasil está passando por um choque muito forte de commodities e sem alívio cambial. Pelo contrário, o dólar também está subindo. O resultado é essa alta assustadora no atacado, que é uma das maiores do mundo.”

Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital


Isso, segundo Damico, está criando um choque de preços duplo e inédito no país, já que, todas as outras vezes que as commodities se valorizaram no mundo, o Brasil se beneficiava via exportações, e o dólar acabava caindo. “Sempre foi isso o que aconteceu com o real, e não é o que está acontecendo agora”, disse a economista.

“O câmbio é a principal questão que explica esse aumento tão acima da média”, diz o economista André Braz, um dos coordenadores do IGP-M na FGV. “Os outros países também sofreram com o aumento de matéria-prima, mas nenhum teve uma desvalorização da moeda tão aguda quanto a nossa.” 

Braz explica que o real muito barato acaba dando um impulso extra às exportações e criando um problema adicional para a inflação do país: “o país fica muito barato e acaba virando uma vitrine em promoção, e todo o mundo vem comprar aqui”, diz.

“O chinês, que antes comprava um quilo de soja no Brasil com US$ 100, agora compra muito mais com os mesmos US$ 100. Isso ajudou as exportações crescerem muito, mas, à medida que exportamos mais, também sobra menos para nós.”

André Braz, coordenador do IPC da FGV

Alívio para o consumidor, fardo para a indústria

A pressão dos preços das matéria-primas já pode ser sentida com bastante clareza pelos consumidores em vários produtos, caso dos alimentos — que já ficaram quase 20% mais caros nos supermercados desde o início da pandemia — e os combustíveis, que subiram mais de 10% nos postos só neste ano.

Ainda assim, estas já são versões bastante amenizadas dos aumentos que estão acontecendo lá atrás, em etapas anteriores da cadeia. Não à toa, a inflação geral para o consumidor, medida pelo IPCA, está em 5,5%, enquanto no atacado alcançou 42,6% e, no caso de alguns itens, superou 70%. 

A inflação ao consumidor olha apenas para os preços dos serviços e dos produtos no varejo, enquanto a do atacado mede os preços dos produtores para a indústria e da indústria para o varejo. E é a indústria, que está bem no meio entre os produtores do campo e os consumidores, a que está sendo mais espremida por essa pressão inédita de preços.

“A inflação para o consumidor não foi ainda tão grande porque a nossa economia está muito fraca e os estabelecimentos não conseguem repassar os preços”, explicou Braz, da FGV. “Já a indústria está apertando o máximo que pode, tentando reduzir custos, porque já está difícil vender. Tem setores da economia desesperados, como o da construção civil, o automotivo, o setor químico e o petroquímico.”

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