Tratamento de cardiopatias não piora quadro de covid-19, diz estudo

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Médicos manifestam preocupação com evolução da doença em cardiopatas

Um estudo desenvolvido pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e pelo Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) aponta que suspender tratamentos com inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECAs) e bloqueadores de receptor de angiotensina (BRAs) não traz impactos para a evolução dos quadros de covid-19.Os medicamentos costumam ser usados por hipertensos e pacientes cardiopatas.

De acordo com médicos e pesquisadores envolvidos, não há indicação para que essas pessoas interrompam seus tratamentos se forem infectadas pelo novo coronavírus.

Desde o início da pandemia, entidades médicas têm manifestado preocupação com a evolução da covid-19 em pacientes cardiopatas. Havia o receio de que o uso desses medicamentos pudesse agravar o quadro da doença. Os resultados da pesquisa, porém, não validaram essa hipótese.

Fundado em 2010 pelo grupo hospitalar Rede D’Or, o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino realiza, em uma de suas frente de atuação, pesquisas que tenham impacto clínico direto a curto prazo. Já o BCRI é um grupo de pesquisa acadêmica afiliada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo as duas instituições, a parceria resultou no primeiro estudo randomizado que avaliou as consequências do uso de iECAs e BRAs durante a infecção de covid-19.

“Mostramos que não há benefício em parar esses medicamentos. O estudo dá uma resposta definitiva para uma atitude que muitos médicos adotaram no início da pandemia, quando suspendiam o uso desses remédios com medo de que eles pudessem piorar a covid-19”, disse o médico Renato Lopes, professor da Unifesp e da Universidade Duke, instituição sediada no estado a Carolina do Norte, nos Estados Unidos.

Foram comparados dois grupos de pacientes. Em um deles, o uso dos medicamentos foi suspenso por 30 dias. No outro grupo, os tratamentos seguiram normalmente. Os pesquisadores avaliaram indicadores diversos tais como a média de tempo de internação e de alta, a necessidade de respirador, a frequência de ocorrências de complicações cardíacas e de insuficiência renal e as causas de mortalidade.

Não foram observadas diferenças relevantes entre a estratégia de parar o remédio ou continuar o seu uso. Diante das conclusões, Lopes orienta que hipertensos e pacientes com outras cardiopatias não suspendam a medicação. “Esses remédios protegem o coração e reduzem o risco de infarto, AVC e trombose. Segundo constatamos, podem ser continuados mesmo na presença do covid-19.”

O trabalho foi feito ao longo de cinco meses e apresentado há duas semanas no Congresso Europeu de Cardiologia. O evento, realizado de forma online, contou com mais de 110 mil especialistas inscritos de mais de 200 países. “Dos 12 estudos selecionados para a sessão mais nobre do congresso, esse foi o único da América Latina”, observou Renato.

Amostra

A pesquisa analisou 659 pacientes tratados em 29 hospitais da Rede D’Or em diferentes pontos do Brasil. Os participantes da pesquisa tinham idades acima de 18 anos e níveis de gravidade diferentes da doença, dos mais leves aos mais graves. De acordo com os pesquisadores, os resultados podem ser aplicados à população de uma maneira geral, uma vez que a amostra de pacientes foi bastante diversa e heterogênea. “Não há outro estudo similar no mundo com esta quantidade de participantes. É uma população extremamente representativa”, afirmou o médico.

Segundo Olga Ferreira, diretora nacional do Serviço de Cardiologia e Arritmia da Rede D’Or São Luiz, as conclusões do estudo devem ser disseminadas tanto entre médicos como entre a população em geral. “Muitos pacientes estavam suspendendo os remédios até mesmo por conta própria e se expondo ao risco de uma crise hipertensiva ou um problema maior. Agora podemos assegurar para esses pacientes que eles não precisam interromper a medicação.”