Mais festeira do que nunca, a cidade de Corumbá recebe com alegria a 15ª edição do Festival América do Sul Pantanal (Fasp), que vem com homenagens muito significativas. Além do protagonista, o Rio Paraguai, que cobre de água e poesia cidades e fronteiras, este ano a organizadora do evento, Fundação de Cultura do Estado(FCMS), junto com a Câmara Municipal de Corumbá, escolheram juntos ícones que são parte da nossa história.
Na literatura, o mestre Hélio Serejo, cuja obra é considerada um valioso registro socioeconômico e cultural do Estado e da fronteira com o Paraguai. Na música Paulo Simões, celebrado pelo conjunto de sua obra, já percorreu várias vezes o Pantanal para se inspirar e respirar sua beleza em canções célebres como a conhecida – e amada – “Trem do Pantanal” e o projeto “Comitiva Esperança”, que se tornou música e documentário.
Nas artes plásticas a escolha de Edson Castro é o reconhecimento do premiado corumbaense que ganhou o Brasil e o mundo com seus desenhos e pinturas. Sua obra faz sucesso em galerias da Europa e Estados Unidos. É considerado um dos maiores expoentes da nova geração de artistas.
O sincretismo religioso também está sendo homenageado na FASP, na figura de dona Cacilda. Respeitada e cantada nos versos dos sambas-enredos do Carnaval corumbaense, a mãe de santo é uma personalidade inesquecível na religiosidade do corumbaense.
O também corumbaense coreógrafo e gestor público Joilson Cruz, é homenageado pelo seu trabalho como incentivador e criador de movimentos culturais do importante projeto Oficina de Dança, que dirige há 20 anos.
A seguir, mais detalhes dos homenageados desta grande festa da integração cultural – o Festival América do Sul Pantanal.
Hélio Serejo – Literatura
Considerado o regionalista sul-mato-grossense, da fronteira Brasil–Paraguai, e um dos mais importantes memorialistas do sul do Estado, Hélio Serejo (1912/2007) foi poeta, escritor, proseador, pesquisador, cientista do folclore e jornalista, nasceu na região fronteira de Mato Grosso do Sul, na cidade de Nioaque. Sua produção literária conta com mais de 60 livros publicados e suas obras foram um importante registro histórico da vida econômica, social e cultural do Estado de Mato Grosso do Sul. Sua obra nos possibilita discutir criticamente as produções culturais periféricas, já que as obras de Hélio Serejo retratam as condições históricas da fronteira Brasil/Paraguai do pós-guerra do Paraguai, o desenvolvimento econômico do sul do Estado e da fronteira. Durante sua vida, Hélio Serejo escreveu 60 obras, reeditadas pelo Instituto Histórico e Geográfico do Mato Grosso do Sul, numa coletânea de dez volumes.
Escritor e conhecedor dos mais variados estratos da gente, da formação étnica e do povoamento da região sul-mato-grossense, a extensa obra de Hélio Serejo – cujas composições literárias são lendas, contos, poesias, narrativas ervateiras e evocações de imagens do sertão –, é compêndio dos usos e costumes regionais e principalmente das tradições relacionadas com a atividade ervateira.
Hélio Serejo fez parte de inúmeras entidades culturais, literárias e históricas, dentre as quais o Instituto Histórico e Geográfico de MS, a Academia Mato-Grossense de Letras e a Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. Colega e amigo do escritor, o poeta Rubênio Marcelo o homenageou com o seguinte poema.
Paulo Simões – Música
O artista Paulinho Simões eternizou o Pantanal em suas músicas
Os trilhos que ligaram o Rio de Janeiro ao Pantanal trouxeram nos vagões que percorriam do mar Atlântico ao mar de Xaraés, no Pantanal, a alma e o talento de um dos mais importantes músicos, compositores e letristas da música regional brasileira: Paulo Simões. Radicado em Campo Grande desde sua infância/adolescência por raízes familiares, embora nascido em pleno mares cariocas, Simões atravessa sua carreira sem abandonar a modernidade da renovação, na sua capacidade de se reinventar como artista e se ligar ao tradicional e ao moderno da arte musical.
E é pelo conjunto de sua obra e pela importância e contribuição à música de Mato do Mato Grosso do Sul, que Paulinho é homenageado pela segunda vez no Festival América do Sul. A primeira, em 2005, a homenagem se estendeu também ao seu parceiro, Geraldo Roca, na emblemática canção Trem do Pantanal.
“Para mim é uma grata surpresa ser lembrado por este Festival de tanta amplitude e do qual participei inúmeras vezes, como músico, produtor e como espectador”, diz Simões. Autor de clássicos, como “Comitiva Esperança” e “Sonhos Guaranis”, com Almir Sater, e “Trem do Pantanal”, com Geraldo Roca, Simões também representa o Estado de Mato Grosso do Sul, reafirmando o corredor cultural do Centro-Oeste.
Comitiva Pantaneira – Foto de Zuza Homem De Melo
História com Pantanal e a Comitiva Esperança
A música “Trem do Pantanal”, considerada o hino não oficial do Estado, nasceu em abril de 75, durante a viagem de trem – junto com o parceiro Geraldo Roca – de Campo Grande para a Bolívia e Peru. Simões diz que a música é um retrato emocional da sua geração, o que não impede que outras gerações tenham interpretações semelhantes. A histórica é cíclica, enfatiza.
E sua história com o Pantanal só estava começando. Entre novembro de 1983 e janeiro de 1984, o projeto Comitiva Esperança percorreu diversas regiões do Pantanal de Mato Grosso do Sul, pesquisando e documentando o cotidiano da população local. Utilizando meios de transporte tradicionais da região (cavalos, mulas, carro de boi e barco), junto com Almir Sater e Zé Gomes -acompanhados por uma equipe de filmagem- reuniram vasto material relativo à cultura pantaneira.
Além de um documentário em 16mm, com direção de Wagner Carvalho, o projeto gerou um importante acervo fotográfico, já exibido com sucesso pelo Museu de Imagem e Som de Mato Grosso do Sul. Também foram registradas em áudio entrevistas com moradores, condutores de comitivas, trovadores e outros, além de apresentações musicais com os músicos participantes como retribuição pela hospitalidade encontrada em todos os locais visitados. Algumas canções compostas durante a viagem se popularizaram, destacando-se a própria “Comitiva Esperança” (Sater-Simões), um dos temas de maior destaque da novela Pantanal, sucesso não só no Brasil como em inúmeros países.
Para Paulo Simões, a experiência da Comitiva Esperança teve papel fundamental no processo da descoberta e construção de sua identidade. O contato com a linguagem, os costumes e a filosofia de vida própria dos pantaneiros ajudou-o a definir uma persona artística e cultural, que consegue aliar a qualidade musical e poética a uma originalidade própria dos grandes artistas.
Em 1994, inicia o projeto “Chalana de Prata”, grupo que reúne quatro expoentes da música do Mato-Grosso-do Sul, com Simões, Celito Espíndola, Guilherme Rondon e o lendário sanfoneiro Dino Rocha (que morreu em fevereiro deste ano, aos 68 anos de idade), sendo seu primeiro CD lançado em 1998, com grande repercussão. Seu primeiro disco individual data de 1992, ano em que recebeu o Prêmio Sharp de melhor compositor regional, com Paiaguás, em parceria com Guilherme Rondon.
Um dos mais importantes músicos de sua geração, Simões introduziu sonoridades e ritmos fronteiriços (daquela parte do mapa em que o Brasil foi Paraguai) no caldeirão musical brasileiro. Suas canções foram gravadas por astros como Sergio Reis, Ivan Lins, Sandy e Junior, e Renato Teixeira. Comitiva Esperança (com Almir Sater) fez parte da trilha da novela Pantanal, sucesso em muitos países.
Trabalhando sozinho ou em múltiplas e talentosas parcerias, Paulo Simões é uma obrigatória referência musical e poética dentro da cultura do Brasil Central e suas ramificações fronteiriças espalhadas por toda a América do Sul. Em 2017 recebeu uma indicação ao Grammy Latino, na categoria Melhor Canção em Língua Portuguesa, com D de Destino, primeira parceria a três com Almir Sater e Renato Teixeira. Este ano, Simões lançou o disco Violas Pantaneiras, que divide com o violeiro e compositor cuiabano João Ormond.
Em texto escrito para o músico e amigo, o jornalista e presidente da Academia de Letras, Henrique Medeiros, resume poética e lindamente o trabalho do compositor. Ele diz: “Paulinho tem na sua obra um conjunto e unidade que trilha pelos trilhos que levam não só o Trem do Pantanal, mas carrega a busca pelos destinos da vida. Ele sabe que ‘enquanto esse velho trem atravessa o Pantanal’, só o seu coração está batendo desigual, pois ‘ele agora sabe que o medo viaja também sobre todos os trilhos da terra’.”
Edson Castro – Artes Plásticas
Artista plástico nascido em Corumbá-MS, em 1970, Edson Castro iniciou sua carreira como autodidata desenvolvendo-se em diversas técnicas como desenho, aquarela e pintura à óleo e acrílica. Desde jovem foi reconhecido e premiado em Salões de Arte de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Freqüentou formações com Charles Watson, no Rio de Janeiro, e Rodrigo Naves, em São Paulo, onde morou e desenvolveu nacionalmente sua carreira, entre 1998 e 2008, mas sempre com temporadas em MS.
Participou de exposições individuais em Centros Culturais e Galerias em vários estados brasileiros onde passou a integrar acervos públicos e particulares. Realizou a obra de Arte Pública Cacharas, um gigante painel com sua iconográfica malha do peixe Cachara, na ponte sobre o Rio Paraguai, realçando sua importância como marco paisagístico da cidade de Corumbá.
O artista diz que através da sua obra tenta uma ambiguidade entre os traços, posturas e comportamentos. ”Não existe o que ver, elas existem por si só”, e explica que o espectador, dependendo do estado de espírito de cada um, acaba vendo coisas diferentes. “O cérebro da gente sempre busca referências quando vê algo nova, mas as obras são o que elas são, traços, emoções”, diz.
Morando em Paris (França) desde 2008, o artista desenvolve sua carreira, realiza exposições temporárias e permanentes em galerias como Galerie Ad Hoc Corner em Saint-Paul de Vence, no sul da França; Yohann Gallery, Galerie Rauchfeld e Galerie Le Pavé d’Orsay, no bairro Saint Germain des Prés, um dos mais importantes pólos de galerias e museus de arte da cidade.
Voltou a expor em Mato Grosso do Sul em 2018 no Sesc Cultura (Campo Grande/MS). A crítica de arte Maria Adélia Menegazzo (ABPCA/MS) escreveu sobre a Mostra: “A obra de Edson Castro, composta de desenhos, pode ser chamada de abstrata, ou de grafismo abstracionista, se levarmos em consideração o fato de que ela não aponta para coisas cujas formas poderíamos reconhecer e diante das quais sentiríamos prazer. O que são esses desenhos?” O artista, segundo ela, desafia essas questões há muito e como um Tecelão do tempo, do seu próprio tempo, oferece alternativas, indicando que há gestos, que há pensamento, que há escolhas, e que na troca incessante destes elementos reside uma obra que se constrói indefinidamente.
Mãe Cacilda – religiosidade
Mãe Cacilda era sempre lembrada nos carnavais corumbaenses
Indicada pela Câmara Municipal de Corumbá para ser homenageada no Festival América do Sul Pantanal, Mãe Cacilda foi escolhida por ser um marco da diversidade religiosa no Estado. Tema de dezenas de trabalhos acadêmicos sobre fé e turismo religioso, além de costumeiramente ser homenageada e cantada nos versos dos sambas-enredos do Carnaval corumbaense. “Cacilda é uma personalidade ímpar no sincretismo religioso de Corumbá”, nas palavras do diretor-presidente da Fundação de Cultura e Patrimônio Histórico de Corumbá, Joilson Cruz.
Nascida em 15 de novembro de 1936, em Cuiabá, na época capital de todo o Mato Grosso, Cacilda conheceu a umbanda aos 15 anos, contra a vontade da família, e se tornou praticante assídua, casando-se com um pai de santo. Em 1964, a fama começou a se espalhar com a primeira cura: fez um menino de 12 anos do interior de São Paulo, paralítico, “largar as muletas e começar a andar”.
Naquele ano Cacilda Gonçalves de Paula ganhou manchetes em todo o Brasil pelos poderes de cura. Com fama nacional, Corumbá começou a receber centenas de ônibus, carros e barcos diariamente. Peregrinos de todo lugar e classes sociais disputavam na fila alguns minutos com a curandeira, suportando o calor e as longas viagens pelo improvável. Corumbá se tornaria, depois, um dos principais centros de umbanda e candomblé do Brasil.
Com mais de 70% da população local afrodescendente, de acordo com o Instituto da Mulher Negra do Pantanal, Corumbá coloca-se à frente de Salvador como referência da cultura africana. Mãe Cacilda, que morreu em 1990, continua sendo referência em religiosidade e atraindo seguidores. Sua antiga tenda, agora de alvenaria, continua instalada no mesmo local. O tempo não apagou a tinta com o nome do templo, batizado de Nossa Senhora da Conceição.
Joilson Cruz – Dança e projeto social
Criador do projeto Oficina de Dança, coreógrafo e gestor público (está presidindo a Fundação de Cultura e Patrimônio Histórico pela terceira vez), há 20 anos o corumbaense Joilson Cruz produz, fomenta e divulga a cultura da cidade. O projeto, que atualmente atende cerca de 700 alunos – de 03 a 80 anos – gratuitamente, tornou-se um ícone da arte corumbaense e sul-mato-grossense. “A arte é transformadora”, declara.
Desde o ano de 2005 a Oficina de Dança passou a receber total apoio da Administração Municipal, ganhando um prédio maior e desta forma foi possível ampliar o número de seus atendimentos. Com inúmeros investimentos, melhorou a qualidade técnica dos 12 professores (oito deles, ex-alunos do projeto) e alunos, que passaram a participar de variados cursos, oficinas, workshops e montagens coreográficas com profissionais renomados e premiados nacionalmente (danças folclóricas, dança contemporânea, street dance, balé clássico, entre outros).
Formado em teologia e filosofia, Joilson disse que recebeu a homenagem do Festival América do Sul com muita alegria. “É o reconhecimento do nosso trabalho, sinal de que estamos no caminho certo”, justifica, lembrando que já participou quatro vezes do Festival com a sua Oficina. A mesma que recebeu inúmeras premiações no Estado e duas vezes no Festival do Folclore em Santa Catarina.
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