Modelo de programa de habitação, o projeto desenvolvido no bairro Bom Retiro retirou famílias da condição de miséria e deu qualificação profissional, além de promover desenvolvimento para periferia de Campo Grande
Campo Grande (MS) – Luzia, Rosângela, Maria, Mirian, Margarida e Rosana. Diferentes na fisionomia, na idade, e nas histórias de vida que se cruzaram a partir do antigo lixão. Local de onde saíram para terem suas vidas transformadas na Comunidade Bom Retiro. Além do novo endereço, ganharam uma nova profissão, e iniciaram o processo gradativo de substituição dos barracos de lona, por um lar de verdade.
A imagem do canteiro de obras tomado por homens, é uma realidade distante no Bom Retiro, onde a presença feminina predomina. “70% são mulheres, por incrível que pareça”, diz Luzia Vicente da Silva, que afirma ser recicladora de coração, mas exalta o projeto e a profissão que mudou não só a sua história, mas de todos da comunidade. “No primeiro dia de curso, já chegamos ganhando um salário mínimo e uma cesta básica, isso para nós já foi uma grande vitória, um avanço violento na nossa vida. Porque para quem sobrevivia da reciclagem, de repente saber que vai ganhar tudo isso, e ainda aprender duas qualificações? Estamos no céu” detalha, agradecendo a todos os envolvidos no projeto, que permitiram que ela se tornasse pintora e carpinteira.
“Sei que hoje, por mim e por todos que estamos trabalhando aqui: nós somos profissionais! Sabemos fazer de tudo numa construção, e temos que agradecer aos nossos professores, e engenheiros que tiveram uma paciência tremenda com nós. Hoje temos dignidade, estamos preparados para o comércio lá fora. Qualquer um de nós aqui. Porque você pensa? Construir 136 casas, não precisa qualificação melhor”, conta cheia de orgulho.
O uniforme padronizado da equipe, composto de macacão e capacete, não é empecilho para Rosângela de Jesus, manter a vaidade feminina presente. A maquiagem e os brincos, são companheiros fiéis. “Ando sempre assim, pode faltar tudo, menos o batonzinho”. A pedreira e azulejista, que já teve sua casa entregue, afirma sentir orgulho de contribuir com a construção do sonho de outras famílias. “No barraco era uma tristeza e não tinha trabalho. Me sinto feliz por já morar na minha casa. Mas sinto felicidade e alegria, em poder trabalhar para que outras pessoas sintam o mesmo que eu”.
Maria Savalle, tem orgulho de ser mulher, mãe de quatro filhos, e aos 48 anos, ter aprendido uma profissão. “Me sinto orgulhosa, e pretendo fazer a minha também, em breve. Aprendi a rebocar, erguer as casas, fazer acabamento” conta enquanto reboca os tijolos de uma das residências. Também na espera, a azulejista Mirian Salviano, compartilha o sentimento das colegas. “Nunca me imaginei fazendo isso, e me sinto honrada em poder estar aqui. Feliz, orgulhosa por estar ajudando o próximo e por ajudar a mim mesma” destaca.
Não muito longe do canteiro de obras, outras mulheres se destacam pela força do trabalho que engrandece e une a comunidade. O trabalho dedicado a horta comunitária, é sinônimo de motivação para Margarida de Moura, de 64 anos, que conta sua história de resiliência, até chegar ao que hoje chama de paraíso. “Eu já enfrentei muita coisa: beira de estrada, lixão, e agora tô (sic) no céu aqui. De coração. Ali tinha hora que eu pegava um prato de comida pra comer, e não conseguia de tão podre e fedido. Agora nós estamos no céu. Essas lágrimas que estão saindo? É de felicidade”, conta com a voz embargada ao descrever a vida que ficou no passado.
O semblante dela, se transforma quando pensa no futuro, e se imagina recebendo os filhos, netos e bisnetos, na casa praticamente pronta à sua frente. “Não vejo a hora de nós entrar aí pra dentro. Às vezes eu fico aqui de noite, eu olho assim na janelinha lá dentro, fico namorando a minha casa” confessa rindo, como uma criança arteira, que “não consegue ficar parada”. A ansiedade de mudar para a casa nova, ela transforma em energia para se dedicar a horta.
A história dela, se cruza com a de Rosana Duarte de Oliveira. Com 31 anos e 7 crianças, seis filhos e uma sobrinha, ela também se dedica no cuidado com as hortaliças, e se emociona ao falar do projeto que nasceu ali, na comunidade, onde aprende que é capaz de fazer algo por outras pessoas. “Esses dias, fizemos a primeira colheita que foi para a creche onde nossas crianças estudam. Foi a colheita mais gratificante” conta, já pensando nas próximas vezes que poderá fazer isso.
Com o filho caçula no colo, ela acompanha a obra a todo vapor, e conta sobre a ansiedade que bate ao ver cada novo tijolo assentado. “Eu agradeço, porque é difícil a gente ter pelo menos um pedaço para poder tá construindo o nosso sonho. Porque isso aqui é construir um sonho, que muitos não têm”. A futura moradia, traz dignidade para a família. “Agradeço por poder ter um lugar para abrigar meus filhos, e ter um pedaço que é meu e da minha família. Da até uma emoção que não sei nem como falar”, descreve.