Com 27 anos de idade, sete deles vividos ao lado do companheiro, Bruna não engrossou por pouco a lista de mulheres vítimas de feminicídio. Na madrugada de 4 de novembro de 2017, ela desistiu de viver quando se viu jogada na rua. Depois de fugir por mais de seis quadras e ser atropelada pelo agressor já não tinha forças para correr. Com o corpo ensanguentado de tanto ser atacada, um dos braços pendia por causa da fratura exposta. “Eu não conseguia mais escapar dele. Então fechei os olhos e deitei”, recorda.
Hoje com 29 anos, Bruna Oliveira dos Santos tem a consciência que sobreviveu pelo acaso. Ela conta que as pessoas que pararam no momento da agressão perguntaram ao homem o porquê da briga. “Eu pedia para elas me tirarem de lá, para chamarem a polícia. Ele aproveitou esse momento e fugiu, mas eu tinha medo dele (agressor) voltar. E aquelas pessoas só falaram ‘a gente não devia ter parado’, ‘é briga de marido e mulher’. Aí eles entraram no carro e foram embora”, lamenta.
A lei do feminicídio, que considera homicídio qualificado o assassinato de mulheres em razão do gênero, é recente – março de 2015. O crime é motivado por violência doméstica ou discriminação. Esse é o único tipo de violação que cresceu em Mato Grosso do Sul em 2019 na comparação com 2018, saindo de 14 para 16 – alta de 14%. Já as tentativas de assassinatos de mulheres, igual a sofrida por Bruna, registrou alta de 109% – saltando de 22 para 46. O período analisado é de 1º de janeiro a 26 de maio.
Bruna critica a passividade da sociedade diante de tantas mortes de mulheres
“É impossível que a gente não esteja ouvindo o pedido de ajuda dessas mulheres, cuja realidade é triste e acaba em morte num país em que a cada duas horas registra um feminicídio”, afirma a subsecretária de Cidadania de Mato Grosso do Sul, Luciana Azambuja Roca. “É preciso falar sobre violência de gênero e sobre feminicídio, que mata mulheres pelas mãos daquelas pessoas que elas depositam amor, confiança e esperança de uma vida a dois. E, na maioria das vezes, elas são mortas naquele ambiente em que deveriam estar mais seguras: suas residências”, completa a subsecretária.
Em Mato Grosso do Sul, a lei 5.202/2018, de autoria do Poder Executivo instituiu o 1º de junho como Dia Estadual de de Combate ao Feminicídio. A data foi escolhida em homenagem a jovem Isís Caroline da Silva Santos, assassinada aos 21 anos pelo ex-marido em Campo Grande. “A lei também é em memória de todas as 124 mulheres que já morreram no Estado desde a vigência da lei, e de outras 160 mulheres que sobreviveram as tentativas de feminicídio em Mato Grosso do Sul”, diz Luciana.
Com a normatização da lei também foi instituída a Semana Estadual de Combate ao Feminícido. Com essas políticas públicas, o desafio do Governo do Estado é sensibilizar toda a sociedade civil no combate à violência contra a mulher. “Nesse período serão realizadas caminhadas, panfletagens , blitzes educativas, palestras e rodas de conversa buscando a conscientização de todos, pois nós não podemos mais tolerar qualquer tipo violência”, afirma a subsecretária de Cidadania.
Depois de ter sobrevivido a tentativa de feminicídio, Bruna viu seu agressor ser condenado pela Justiça a 10 anos e oito meses de prisão e virou ativista da causa. “Tive acompanhamento psicológico em que pude compreender o que acontecia. Me conheci com mulher, como pessoa. Eu entendi que o que aconteceu comigo acontece todos os dias. Eu não queria ser mais uma. Parei, refleti e vi que eu podia fazer alguma coisa. Essa é uma luta diária para proteger outras mulheres”, explica.
Como era seu relacionamento e como você entendeu que vivia uma relação abusiva?
No início foi intenso e maravilhoso. Ele era atencioso, muito cuidadoso. Eu tenho lembranças de pensar ‘nossa que sorte de ter essa pessoa na minha vida’. Mas com o tempo comecei a notar comportamentos que não eram normais. Mas por querer muito uma família, ter alguém para dividir a vida, acabei me submetendo a coisas absurdas. Ele me isolou de todos. Fazia jogo psicológico e eu ia diminuindo. Sempre eram as escolhas dele, as prioridades dele. Eu fui me submetendo a isso, achando que era o normal de um casamento. Tem coisas que parecem ser bobas, mas eu não podia escolher o que a gente ia comer. Eu não escolhia onde nós íamos. Se eu quisesse ir à casa dos meus pais ou encontrar amigos eu não podia decidir porque quem decidia era ele.
O que você diria para uma mulher que passa por um processo parecido, de violência?
Se conheça. Coloque na balança. Quem sou eu? O que eu gosto? Quem está comigo respeita o que eu gosto? Quanto tempo eu fico feliz e quanto tempo eu me questiono se que o que eu faço é certo ou não? Então, esses são pontos importantes. Acho que quando uma pessoa te ama ela não questiona coisas simples: como é seu corpo, como você se comporta, como você fala, com quem você resolve se relacionar. Eu acho que o ponto principal das relações de quem gosta de você é o cuidado. A gente não pode confundir o cuidado com a posse. Quem cuida quer que você cresça, melhore como pessoa. Ela não quer te moldar a maneira dela. A gente precisa ter bastante claro o que é amor e o que é posse. A gente não pode confundir.
Como uma pessoa de fora pode perceber que uma mulher está precisando de ajuda? E como ajudar?
Em relações abusivas os agressores isolam a vítima. Agressores são maridos, namorados, pessoas da família ou amigos. Normalmente o primeiro sinal é esse, isolamento. É algo que acontece porque agressor precisa dominar a vítima. É muito difícil convencer uma mulher que ela sofre violência. As pessoas no entorno dessa mulher precisam entender que ela vive relação doente e que ela precisa, aos seus passos, entender isso. E não é com julgamento, dizendo que essa mulher não tem vergonha, que ela não se ama, que ela gosta de apanhar. Não é esse o caminho.
Recuperação passa pelo apoio da família, amigos e acompanhamento psicológico
Então, aos poucos precisamos mostrar o que é uma relação saudável e o que é uma relação doente. É um exercício diário. O agressor diz todos os dias que essa mulher depende dele, que ela não vai ser feliz, que ela precisa dele, que ela nunca vai encontrar um homem tão perfeito quanto ele.
É um exercício diário. Esse exercício contrário diário também precisa ser feito. A mulher precisa contar com a família, com os amigos, com quem tá próximo. É uma via contrária que precisa ser feito, pois o psicológico dessa mulher tá muito abalado. Então precisa de paciência.
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