Conquistar o diploma de Medicina sempre foi o objetivo de Natália Angélica da Silva, que desistiu dos estudos aos 15 anos. Assim como ela, os planos de cursar a faculdade de Psicologia também foram abandonados por Leandro Marques de Alencar quando ele completou 23 anos e ainda não tinha concluído o 5º ano.
A história dos dois acolhidos da comunidade terapêutica Esquadrão da Vida é semelhante a dos demais 47 acolhidos que passam por um processo de desintoxicação e começaram nesta semana, a frequentar as aulas da EJA (Educação de Jovens e Adultos) implantadas no local, pela Prefeitura de Campo Grande, por meio de parceria entre a Secretaria Municipal de Educação (Semed) e a Subsecretaria de Defesa dos Direitos Humanos. No primeiro dia de aula, todos escreveram cartas como forma de se apresentarem e não faltaram sonhos e objetivos para serem cumpridos quando concluírem o curso.
O lançamento oficial das três salas de aula criadas na comunidade terapêutica, localizada na Chácara Cachoeira, aconteceu na noite dessa terça-feira (14), e atende às propostas do Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua, que visa construir uma política voltada à população em situação de rua e vulnerabilidade social, viabilizando oportunidades para esse público, oferecendo educação e ações que valorizam a cidadania.
Para Natália, que está há um mês na comunidade, o curso não poderia chegar em momento melhor. “Desisti dos estudos devido ao consumo de substâncias tóxicas e agora não vou perder esta chance. Sempre tive o apoio dos meus pais, mas não tinha estímulo, agora tenho outro pensamento. Quero me formar em Medicina e ser pediatra”, conta Natália, que após realizar um teste escrito, retomará os livros e cadernos a partir do 7º ano.
Apesar da empolgação, ela não esconde a ansiedade. “No primeiro dia tive receio, achei que não iria conseguir, mas fomos muito bem acolhidos pelos professores. Vi que eles têm muita paciência para ensinar e senti segurança”, disse Natália.
Acolhido há três anos, Leandro Marques de Alencar, 30, está feliz por ter a possibilidade de retomar os estudos já nos anos finais, pois, mesmo com as adversidades, ele nunca deixou de buscar leituras e informação em livros e jornais. “Fiz cursos na área da dependência química, mas para receber os certificados preciso ter concluído o Ensino Fundamental, por isso, para mim, trazer a EJA aqui na comunidade foi uma alegria. Fiquei feliz em ver a preocupação de vocês com nosso bem-estar”, destacou.
Após obter seus certificados, o próximo passo é batalhar pela faculdade de Psicologia. “Quero ajudar as pessoas da mesma forma que estou sendo ajudado aqui”, pontuou Leandro, que também estava empolgado com a recepção oferecida pelos professores. “Gosto muito de perguntar e todos eles tiveram muita paciência para responder meus questionamentos. O bom é que eles ensinam com exemplos do nosso cotidiano porque como ficamos sem estudar muito tempo, temos muitas dificuldades, mas estamos recebendo incentivo de toda a equipe”, ressaltou.
Estrutura
As três salas de EJA atenderão os anos iniciais, intermediário e finais do Ensino Fundamental e são uma extensão da escola Consulesa Margarida Macksoud Trad. Ao todo, 11 professores, além de técnicos, irão atuar nas salas. O currículo será pautado por temas transversais, que possibilitam o debate de assuntos ligados ao cotidiano desses acolhidos, como o preconceito e o mercado de trabalho. O objetivo é auxiliar no processo de reinserção social e o professor de sala fará um acompanhamento personalizado para detectar as dificuldades específicas de cada aluno. As vivências dos acolhidos serão levadas em conta na metodologia aplicada.
“Esse momento está acontecendo devido ao nosso gestor que está à frente da prefeitura e também aos parceiros que aceitaram este desafio. Abraçamos esta proposta junto com a Subsecretaria de Defesa dos Direitos Humanos e a Secretaria de Assistência Social e todos nós que estamos à frente deste projeto acreditamos na educação de qualidade, por isso, aproveitem esta oportunidade porque o que vocês aprenderem aqui, irão levar para a vida toda”, afirmou a secretária municipal de Educação, Elza Fernandes, durante as boas vindas aos novos alunos.
Segundo Bárbara Cristina Fernandes, coordenadora de Proteção à População de Rua e Políticas sobre Drogas, o projeto, que une reinserção social e Educação, também será levado para outras cinco comunidades e duas casas de apoio.
O presidente da comunidade terapêutica, Samir Zayed, ressaltou o compromisso da gestão em oferecer a oportunidade para os acolhidos concluírem seus estudos. “Estamos há 18 anos nessa caminhada, buscando provocar essas iniciativas, trazendo cursos profissionalizantes para que eles saiam preparados daqui. A implantação da EJA veio complementar nosso trabalho”, concluiu.